segunda-feira, julho 04, 2005

Homossexualidade ou possessão pelo espírito de António Variações? Resposta a um apelo muitas vezes repetido ; ))))

Written has Freud


”Tendo em conta que és um "expert" em sexualidade FREUD, será que posso fazer uma consulta online? :))) A que idade os jovens têm definida a sua orientação sexual? É normal e frequente os jovens sentirem-se baralhados quanto à sua orientação sexual? Ou só se sentem baralhados quando a sua orientação sexual não coincide com a norma? O que determina essa orientação sexual (genética, família)?”




Com todo o prazer lhe faço a consulta, se bem que dentro das limitações que este meio apresenta, e partindo dos poucos pormenores que me fornece. Isto de forma abnegada e despretensiosa como sempre (e já agora não se esqueça de fazer a transferência bancária à ordem de FREUD para a conta 483.393.322.000.1 do BES no valor de 90 euros). Quanto à parte do “expert”, nunca somos verdadeiramente experts, apenas vamos tendo com o tempo mais dúvidas que nos tornam mais sensatos antes de formarmos a nossa opinião, só isso :))))

Bem, é preciso balizar o discurso desde já para que se consiga algo de produtivo destas linhas que vou escrever-te:

1 - A orientação sexual não tem idade para estar definida, faz parte da identidade da pessoa e é estabelecida entre a sua atracção preponderante e as suas experiências sexuais mais ou menos satisfatórias. Portanto é parte integrante do indivíduo e da sua realização plena e não uma conduta em resposta a vontades conscientes que possa ser mudada, tratada ou sequer prevista.

2 - A palavra “normal” não existe dentro do universo do estudo da sexualidade.
2.1 – Daí que decorre que não existem também determinantes para a orientação sexual (ela é definida apenas pelo género pelo quais as pessoas são atraídas, não pelas suas supostas “causas”).

3 – Os pais quando confrontados com indícios de preponderância na atracção dos seus filhos por pessoas do mesmo sexo devem estar preparados para ouvir e não para fazer perguntas (que o adolescente não saberá responder) ou auto-recriminarem-se (de que a culpa é dos pais, que depois fará com que os próprios filhos se sintam culpados, quebrando pontes de diálogo possíveis devido a acusações mútuas).

Tudo o que te escrevo a seguir parte destes 3 pontos e só se os aceitares plenamente como verdade é que acharás o que vou escrever a seguir tolerável para os teus olhos. Portanto, se calhar é melhor voltar a ler as balizas antes de continuarmos, não? Além disso o uso do género será completamente aleatório, pois estou a falar de adolescentes de ambos os sexos ok? “O” ou “a” não são aqui importantes.


A “confusão” em relação à orientação sexual pode surgir em qualquer altura da vida da pessoa e não está confinada à adolescência. Ela resulta de um confronto entre uma atracção própria e a atracção que é preponderante no grupo de que a pessoa faz parte. Por exemplo, um adolescente perceber que consegue obter prazer a masturbar-se não das imagens de mulheres de biquinis mas sim das imagens do jornal desportivo comprado pelo pai diariamente. Ou seja, a confusão sexual é uma expressão de uma homossexualidade que desperta sentimentos de culpa por causa dos factores ambientais e a uma percepção negativa da homossexualidade.
Porém, existem pais (e mesmo terapeutas mais preconceituosos) que levam o conceito de “confusão” sexual para o campo do “é uma fase”, o que é, à luz do que hoje sabemos, é uma abordagem no mínimo negligente. Claro que podem acontecer episódios de descoberta por volta dos 9, 10 anos (estes números são bastante permeáveis, dependem de um conjunto de factores ambientais, padrões integracionistas, portanto não tomes isto como regra, pode ir dos 7 aos 12 conforme as variantes ambientais) com o próprio sexo, mas não afectam o imaginário (aliás, muitas meninas sexualmente atraídas por outras meninas têm nesta fase grandes desilusões porque acham que a sua sexualidade é predominante e depois ao verem que o que para elas era afecto para as outras eram ensaios mais ou menos mecânicos de satisfação interdita com rapazes passam por profundas depressões que podem mesmo levar a uma letargia na sua orientação sexual, e mesmo a actividade sexual desenfreada com homens).
Portanto, fundamental aqui é perceber qual é o imaginário erótico do jovem, e esse imaginário erótico determina a sua orientação sexual efectiva. Porém, certos terapeutas procuram “controlar” esse imaginário tentando mostrar ao adolescente que essa é uma “fase”. O problema vai ser que quando a fase não passar o adolescente vai-se sentir ainda mais culpado por ter falhado em ultrapassá-la e recriminado com o que sente pelo próprio sexo o que vai fechar drasticamente a sua comunicação com os pais nessa área. Se o imaginário erótico é baseado na figuração do próprio sexo então a pessoa poder-se-á dizer homossexual e o contacto com o sexo oposto será sempre uma excepção e não a regra. Ou seja, se o adolescente condescender com os pais que “gosta um pouco” de uma rapariga eles não devem ver nisto um sinal de esperança mas sim a ideia de uma tentativa da parte do adolescente para os tranquilizar um pouco.
Estas situações transitórias são sempre difíceis e altamente instáveis por a pressão dos pais para que o filho tenha companhias do sexo oposto. São altamente contraproducentes!!! Quanto mais cedo os pais se colocarem ao lado do filho na aceitação da sua orientação sexual menos este sentirá no futuro conflitos com a sua própria orientação.
E não se ponham a fazer perguntas ao adolescente, ele não tem as respostas!!! Não pode dizer porque é que se apaixona por pessoas do mesmo sexo, nem porque é que não lhe acontece o mesmo por pessoas do sexo oposto, não sabe dizer desde quando é que se sentiu assim!!! Para ver o absurdo do que estas perguntas são tentem-nas fazer a vocês próprios!!! Quais vão ser as respostas? “Desde sempre” e “Não sei, sempre me senti assim”!!!
Pois vão ser precisamente essas respostas que o adolescente vai ter com os pais, e são tão sinceras como as vossas próprias. Só mudou o género, e já vai haver gente suficiente a fazê-los sentirem-se mal lá fora para chegarem a casa e verem a mãe a chorar enquanto acaba o jantar e o pai com olhar pesado afundado no jornal. Todo o desenvolvimento afectivo levanta dúvidas e contradições, o amor familiar é muitas vezes o único local onde o adolescente se sente seguro. Já viram como é que ele se sentirá se lhes tirarem isso? Just think about it
Claro que numa abordagem de causa-efeito, seria preferível para vocês que a adolescente mudasse o seu comportamento pois isso evitaria que os pais sofressem juntamente com o adolescente o ónus social que a sexualidade do filho traz, e seria também mais fácil para as certezas dos pais, para tudo aquilo que eles ouviram durante a sua vida: que os homossexuais estão lá fora, são um produto e não o filho de alguém, são movidos por sentimentos frustrados e incompletos e não por uma afectividade que é tão plena como a dos heterossexuais. Claro que para os pais era tranquilo continuar com todas estas certezas.
Nem tentem os pais olhar para o seu filho na perigosa perspectiva “Ele não tem culpa” (o típico “coitadinho” que usámos com o drogado e com a vítima de um relâmpago) mas sim na perspectiva mais realista de que são os pais não têm culpa de terem sido instruídos pela sociedade no sentido discriminatório, os pais é que sofreram um processo educativo que não é favorável à aceitação da escolha sexual do filho e eles é que têm de ser instruídos.
Mas trata-se de enfrentar estas dúvidas tendo em vista as balizas que coloquei lá em cima. Tudo o que escrevi é inútil se elas não forem integradas na consciência dos pais. Totalmente inútil. Muitas vezes chegam-me pais com adolescentes com comportamentos homossexuais preocupadíssimos e afinal quem tem de fazer terapia são eles, as filhas estão bem com a sua orientação, mas abraçar aqueles 3 pontos é um verdadeiro trabalho de Hércules para muitos pais. Depois estas considerações que fui escrevendo por aqui abaixo farão todo o sentido (aliás, para o jovem de certeza que já fazem, basta dar-lhe este texto para a mão ; ))) )

“So you gave me a home,
And you gave me a name,
And you told: “You’ll behave like the others”.
Then you send me to school, which was all about rules,
And I learned to pretend…
And so I faked my way through school,
And now I fake my way to you,
In every face I look for signs of truth…
And when You cry I take your hand,
And when you rage I understand,
Look in my eyes: I am not like all the others,
It’s time for you to discover…
Who I am, who I am, who I am, who I am Who I am who I am…”

Tim Booth

PNF* – repararam que não usei a palavra “normal” uma única vez em todo o texto? E seria exactamente o mesmo se estivesse a falar de alguém a assumir uma escolha heterossexual. A “normalidade” serve para nosso próprio conforto sobre uma posição social e não para expressar uma qualquer realidade valorativa superior, nunca se esqueçam disto ; )))


*Pequena Nota Final