sábado, setembro 03, 2005

Puxão de orelhas I (ou a velha história de os tipos se gabarem que em 5 minutos estão despachados)

Written has Freud


Nesta e na próxima mensagem vou bater forte e feio em dois grupos da nossa sociedade: nos homens e nos ginecologistas, partindo do mesmo problema terapêutico: a anorgasmia feminina.
Uma das perguntas mais frequentes depois de um processo empírico-científico-emocional relativamente à melhoria das condições em que se desenvolve a sexualidade da paciente é: porque é que nunca nenhum homem se preocupou em fazer estes gestos tão simples? A resposta, ao contrário dos gestos, não é nada simples ; )
A conduta sexual (a sexualidade é algo mais geral e complexo) é desenvolvida a partir de dois pólos de tensão: o objecto de desejo e a partilha de experiências com os pares. Parte da atracção sexual da pessoa, depois é polarizada pelo grupo com quem a pessoa se identifica sexualmente como o grupo próprio, e depois há a pratica, a expectativa e a consumação (ou não, mas sejamos optimistas).
A de parte substancial das mulheres é feita sob a máxima “princesa adormecida”, que um dia será tocada da forma certa (hoje mais o acto sexual do que o beijo) pelo príncipe certo (não será por um ogre nem por um tipo vulgar) e portanto não há nada a apreender, a masturbação é brincadeira para não ser muito levada a sério, no sexo será ele a liderar pois ele terá sempre, pelo menos alguma, experiência, e tudo irá correr bem, o amor triunfará e tudo será maravilhoso e surgirão maravilhosas e únicas matizes até agora desconhecidas da espécie humana. A unicidade que se espera de uma expectativa tão comum, sabem hoje todas as pacientes que me entram porta adentro, é democraticamente optimista e quase sempre infundada. Porém, as revistas de culto cultivam o orgasmo como missão insubmissa a não recusar de forma alguma e portanto tornou-se quase prova capital de indigência a ignorância sobre ele (e pior ainda, a sua recusa como elemento central de uma certa medida de “felicidade”). Resumindo e concluindo, chegam ao consultório e o maior problema é mesmo admitirem que não o desfrutam, mais do que os reais problemas emocionais associados a essa “cheery on top”.
Ou seja, já devem ter percebido. A pressão social sobre o prazer feminino continua a ser para muitas mulheres mais importante do que o prazer em si. Estão em grande medida mais preocupadas com a admissão de não ter prazer do que com o seu problema intrínseco (não ter prazer). Ou seja, em vez de porem em tribunal a Cosmopolitan ou a Elle vêm ter comigo.
Mas este texto é sobre homens e a culpa deles, não sobre a culpa da culpa das mulheres ; )))
Como disse já neste texto, além da orientação sexual, que nos impele para o objecto do nosso afecto de forma ainda misteriosa, a conduta sexual apoia-se na forma como se constrói o imaginário a partir da informação disponível. Mas atenção, não se aceita informação disponível a partir de diversas fontes de forma igualitária, e o grupo de amigos do mesmo sexo não será de certeza tão influente como um livro, ou site, cheio de “boas praticas” mas sem quase nenhuma correlação com o que é ouvido no grupo com o qual o jovem se identifica.
Mas o mecanismo mais preocupante é o de “sucesso” das práticas sexuais dos colegas do grupo. Se alguém faz sexo uma, e outra e outra vez é porque, obviamente, está bem visto entre o género-alvo. E portanto será fonte mais do que bastante para o sucesso, sendo que aqui o sucesso começa a divergir entre o sucesso de conseguir o acto sexual e o sucesso de o acto sexual ser satisfatório para a outra pessoa, que é reforçada pela masturbação durante grande parte da adolescência, acto solitário bom para a percepção das benesses do sexo mas péssimo ao fazer do orgasmo coisa vivida a um.
Esta divergência é reforçada com as primeiras experiências sexuais em que a mulher não tem prazer absolutamente nenhum, por uma ignorância miliante e por um pudor feminino que é interpretado muitas vezes convenientemente por um “toca a despachar agora que tenho a oportunidade e antes que ela se comece a queixar que dói muito”.
Eu sei, eu sei, quantas vezes bato nas mulheres por rejeitarem a si próprias o cumprimento do seu destino de género que retira do acto sexual a parte de leão do prazer, mas esse não é o caso hoje ; )))
O problema é que os homens sabem hoje em dia que o prazer feminino anda aí, mas a ignorância é má companheira de afirmações de que se as come todas e fazer perguntas a um fratelli sobre o assunto será coisa de suspeita virilidade, já para não falar no facto de grande parte do discurso sexual girar à volta de “comer gajas”, o que normalmente traduz um acto unilateral de posse de mulher estóica e passiva. “ser fodido por uma gaja” normalmente está associado a ser traído ou gozado e raramente à sua homónima versão sexual. Temos portanto um tremendo imbróglio educacional que depois baliza de forma quase apologética e doutrinal a praxis sexual, sejam quais forem os resultados. Aliás, a necessidade de mostrar que se é “bom na cama” ás mulheres normalmente só toma importância para o homem no início da relação, quando a mulher (horror dos horrores) já teve parceiros passados ou por insegurança dele face ao sexo (se bem que esta insegurança normalmente é cultivada por via do ciúme, infelizmente) tão cientes que os homens estão de que esse facto não será motivo para o fim da relação.
Portanto, de regresso ao topo deste texto e ler de esguelha até cá abaixo. Não é que os homens sofram de uma incapacidade fisiológica em dar prazer à mulher. Apenas são dessensibilizados dessa preocupação por um percurso do qual participam normalmente as próprias mulheres, elas próprias ainda sob grande influência de modelos sociais prevalentes, e porque não dizê-lo, ambivalentes. Depois essa incapacidade traduz-se numa constante insatisfação face ao sexo, porque no fundo eles sabem que elas não ficaram satisfeitas. Reparem que os homens sexualmente menos competentes, mesmo os que garantem que não o ser, são aqueles que depois mais ciumentos são, normalmente assentes noutras falhas de carácter, mas sempre com este medo de perda por desempenho.
Curas? Ui ui ui… vou-vos expressar a dificuldade da tarefa: É MIL VEZES MAIS FÁCIL MELHORAR A CONDUTA SEXUAL DE UMA MULHER DO QUE A DE UM HOMEM.
E mesmo melhorar essa conduta tem um terrível downside, pelo que muitos colegas meus acabam por nem sequer ir por aí: a melhoria por indução terapêutica tem-se feito pagar com o elevadíssimo preço de o homem assumir que está a fazer aquela melhoria não porque isso vá melhorar a percepção que as mulheres vão ter da qualidade sexual dele mas por causa de uma qualquer disfunção sexual DAQUELA mulher. O raciocínio parece complexo mas não é assim tanto. Temos um homem, que antes da actual companheira/esposa teve 6 ou 7 parceiras, nenhuma apresentou queixa veemente sobre o seu comportamento sexual. E de repente, e por vezes ao fim de 3 anos de namoro e 2 de casamento a actual diz-lhe que alguma coisa está mal. Devaneio de mulher, forma de chamar a atenção, pensará tantas vezes ele. E nós como arauto da ignorância geral dos psis, que nos pomos do lado da gaja como forma, quem sabe, de a seduzir, mostrando-lhe um oásis de prazer sexual a que ela, por disfunção de mulher frígida, nunca poderá aceder.
E é por isso que vocês levaram este puxão de orelhas hoje ; ))))