quarta-feira, novembro 16, 2005

TIOS PERVERSOS



Written has Freud


Se me tivessem dito há quase 4 anos que iria ter hoje os meus tios a pedirem-me conselhos para a vida matrimonial deles (sexual incluída), teria imediatamente regressado ao avião e voltado para os Estados Unidos. Mas como regressar vem de regressão e regressão é sempre o retorno a um estado inicial, aceitei o desafio de me manter em progressão. E lá chegámos aqui. O senhor António e a Doutora Margarida a perguntarem-me como é que eu, solteiro e bom rapaz, os posso ajudar a encontrarem pontes. Suspeito que se falhar nesta missão os meus primos me vão culpar pelo divórcio que já está eminente à 10 anitos, desde a primeira escapatória confessa do meu tio (as outras a minha tia tinha decidido que por serem tão bem escondidas eram a prova de que o amor que o meu tio lhe tinha, não sendo único, era ao menos sincero, pois não lhe feria os sentimentos abertamente, logo isso era sinal de um sentimento presente). Desde o início da minha “carreira” sempre rejeitei tratar pacientes com diferença assinalável de idade mental em relação à minha, o que me leva a raramente aceitar mais além do que da primeira consulta casais com idades médias acima dos 35 anos. Mas têm existido excepções, honrosas excepções, diga-se de passagem, pessoas daquelas que até nos sentimos roubados por sabermos finalmente da sua existência e nunca nos termos cruzado com elas em anos anteriores. Mas os meus tios não são sementeira desta lavra, são majestosos burgueses, de antepassados agrícolas (o meu tio é mesmo proprietário de um entreposto de máquinas agrícolas), nada abertos a mudanças de rumo, certos da infalibilidade do caminho passado, seguros do futuro pela força das directrizes enraizadas no exemplo dos ancestros (por oposição a ancestrais, que são familiares passados que são modelos, os ancestros são familares que não devem ser seguidos nas suas condutas) passados. Enfim… o pedido deles, ainda por cima simultâneo e feito no meu templo (vulgo consultório) deixou-me desarmado para esboçar possível recusa, escusa por “proximidade do contexto familiar” “ incapacidade de aceitação do modelo por demasiada proximidade afectiva”… enfim… toda aquela bateria de desculpas que eu poderia dirimir caso me apanhassem em separado e noutro local de combate. Mas a sua chegada conjunta, a forma como me atacaram frontalmente não me deixaram lá grandes possibilidades de escape. Assim, o caso foi aceite sem grandes discussão da minha parte. Tirando o facto de imaginar a vida sexual dos meus tios ser quase como imaginar os mais pais numa versão de desenho animado nada me impedia de tomar a tarefa em mãos.
As questões surgidas destas sessões são aquelas que penso irão dominar o debate da sexualidade nos próximos anos. O casamento muitas vezes é definido por factores muito mais pragmáticos que o mero realizar de carinhos que se querem constantes. Aliás, tenho esse enorme problema em aceitar que as pessoas casem “por amor”, o amor é por definição desprovido de estrutura, é demasiado extremo para ser contido em registos e portanto parece-me altamente incompatível com a presença constante. Aliás, um dos dramas do amor romântico foi sempre o paradigma da ausência da ‘coisa amada’, armadilha vitoriana em que milhões de seres humanos ainda caem alegremente, desprovidos de incerteza por terem medo de aceitar a imperfeição própria do ser humano, que supostamente a dois seria alcançada. Com a culpabilização do adultério, os direitos da mulher empacotados na parte técnica da frase bíblica “Crescei e multiplicai-vos” (frase épica dedicada à realização de um Destino que seria na altura masculino) este sistema manteve muitos casamento bem solidificados. A importância do sexo era uma importância essencialmente de satisfação da parte masculina, o homem é que carregava o produto místico, numa inversão do matriarcado que sobrevinha da pré-história, em que a mulher é que decidia quando se daria a concepção. A ejaculação masculina, associada ao simultâneo orgasmo, punha a questão da satisfação sexual do lado da mulher, ela é que tinha de se adaptar aos ritmos do homem, e uma mulher gostar muito do sexo era até suspeito, pois aí punha-se que se os dotes do marido não bastassem então o casamento estaria em risco. Foi assim até hoje em Portugal, sinal de que estamos mais do que nunca afastados da Europa moderna, sinal de que em vez de procurarmos novos paradigmas nos contentamos em reciclar velhos ciclos. Mas vamos falar dos meus tios, que lhes prometi dar testemunho do caso deles.
Conheceram-se num “baile” em casa dela, dançaram muito e simpatizaram quase instantaneamente. O namoro foi facilitado por pais conscientes do aforro que a união das duas fortunas ancestrais traria, e nisso foram felizardos em relação a muitos casais da época. Conheceram-se bem, partilharam muitos momentos juntos, sendo “da aldeia” chegaram ao ponto extremo de urbanidade de irem ao Coliseu do Porto ver vários concertos durante o namoro. O casamento veio sem grandes dúvidas, marcado por uma noite de núpcias com muito jeitinho que ambos eram virgens de corpo e alma, nunca antes tinham entregue o coração, nunca antes tinham entregue o corpo. Depois a realidade, que afinal tanto amor tinha limites, afinal a tal fusão não se deu, não passaram a ser um só. Ela continuou a detestar velocidade, ele a adorar carros velozes, ele continuou sem perceber nada e sem se interessar nada por pintura, ela continuou a rumar ao Soares dos Reis para ver obras de arte que achava de uma beleza extrema e a tocavam profundamente. Ele continuou a precisar de ao Domingo almoçar com os pais, ela da companhia de cidades estranhas, de viagens esclarecedoras das diferentes morfologias do Mundo. E nessa diversidade vinha também o emprego de cada um, ela sempre de prevenção como qualquer médica estagiária, ele sempre com tempo livre para cultivar afectos, como qualquer proprietário de um stand de automóveis.
E depois a reclusão do sexo a uma troca de interesses marcado pelas concessões do momento. Ela sempre que era contrariada a abdicar de lhe dar prazer, ele sempre que era contrariado a ir dormir para outro quarto, sabendo que a ausência física lhe doía mais a ela que a ele. O sexo como coisa de homens, ouvia ela da boca de todas as amigas, eles não passam sem isso, não conseguem viver sem isso, “ás vezes até o faço só para ele não arranjar amantes”, a crua verdade que ela se recusava a aceitar, culpada já das transacções que se davam nos lençóis “querido, vamos de férias para Cuba?” e ele no fim da queca rápida e volátil a prometer que sim. Ele rapidamente descobriu que existiam mulheres tão estóicas como ela, primeiro as mulheres da vida, que se punham a jeito para o sexo por alguns escudos, depois mulheres em busca de posição social que achavam perfeitamente aceitável que o homem tivesse prazer por via dos pagamentos que fazia no restaurante. E ela também descobriu outros amores, o de 3 filhos que lhe foram tomando mais e mais tempo, enquanto ele cada vez passava mais tempo longe do trabalho, o lar quase só para ela, o lazer quase todo para ele. E depois a constatação da traição, da infidelidade, a certeza de que o sexo já não era amor, que os filhos não eram a mesma coisa para ela e para ele, não preenchiam ambos da mesma forma (ela suspeitava que isto tinha a ver com a ausência de participação dos labores no lar, mas não se ia queixar do marido ‘tão bom para ela’, que nunca ‘lhe tinha levantado a mão’ e nunca tinha tido a lata de dar a conhecer as suas amantes nos círculos de amigos). Ele cansou-se de amantes, ficou-se por uma com quem estava de vez em quando, foi ficando mais e mais tempo para casa, redescobriram o prazer de viajar, redescobriram o interesse pelo Coliseu, pelo teatro, chegaram ao ponto de fazerem sexo numa praia quais garotos adolescentes. Porém, o prazer não sobrevinha para ela, continuava fechada naquela certeza de que o prazer era coisa de homens, e ele a dizer para ela procurar ajuda, e a ajuda a dizer que estava tudo bem, um sobrinho que andou lá por fora a dizer que se calhar o problema era dele, mesmo ele enrijando e ejaculando como um relógio suíço. As conversas a medo com o jovem, as questões perturbadoras e directas, feitas sem o respeito pela idade “tia, quantas vezes se masturba por dia”, estes jovens, tão mecânicos, não conseguem pensar no amor. Depois a conversa do sobrinho com o tio, a explicação de que ele, já tardio para estender os tempos de penetração por hábito enraizado teria de “masturbar” a mulher em quem apenas se limitou a deixar entrar “lá para dentro” o membro. a primeira noite em que usaram a ‘receita’, ela com os pêlos púbicos removidos como nunca os teve, ele a colocar a mão directamente nela e sem ser para orientar o membro para dentro, a procura do pequeno sítio lá em cima, a carne amolecida por anos e anos de imobilidade em consultórios e numa casa sempre com afazeres, a descoberta, o tremer, o suar, o arfar, a novidade de ela pedir mais quando antes se limitava aos ditames do desejo dele, por fim o êxtase, e o êxtase por várias vezes. O regresso, a dois ao consultório, as conversas despreocupadas, as explicações de um miúdo com metade da idade deles, a explicação das dificuldades para o futuro, dos obstáculos a vencer, a promessa dela de melhorar a forma física, a promessa dele em explorá-la toda. Mais sessões, mais descobertas, os filhos que apanham os pais aos beijos, que os surpreendem em poses menos patriarcais no sofá grande que nunca foi partilhado até aí, até ao dia em que os encontram, em pleno jardim, em coito oral mútuo. O choque, o temor, o nojo…
Imaginem pelo que eu passei então!!!!!!!!!!!!!


(ao contrário do que possam pensar, este texto não foi escrito relativamente aos meus tios Margarida e António, refere-se apenas a um casal amigo mais velho, o uso do parentesco é totalmente ficcional ; ))))))))) para os membros da família que por cá já passam não se assustarem muito ; ))))))))))))