domingo, maio 30, 2004

Barreiras de vidro, transparÊncias absorventes

Written as FREUD


Temos sempre o mesmo problema ao tentar ser coerentes: acabámos por desprezar o momento e as suas insinuações muito próprias. Tentando manter uma certa distância dos pacientes acabámos por fantasiar a nossa relação com eles muito prá além das necessidade terapêuticas. A questão estabelece-se entre dois extremos. Por um lado é necessária uma certa “ amizade”, cavalo de tróia pra fazer a terapia avançar. Por outro essa amizade está assim sujeita a acabar mal a necessidade de restaurar as dificuldades psicológicas do paciente sejam ultrapassadas. Assim, e se há pacientes em que a personalidade execrável nos mantém naturalmente ao largo há tb pacientes em que a facilidade em comunicar leva-nos a julgar que esse contacto, apesar de ter nascido numa sessão, pode ser expandido além consultório. Tomo o caso de um paciente muito apreciador de arte. Das nossas conversas, nasceram metáforas sobre a arte e a cultura em todo o mundo. Essas conversas levaram-nas a partilhar os mesmos leilões de arte nacional e estrangeira e nasceu como é óbvio esta afinidade natural, pendente de um contacto humano que se realizou plenamente. Mas não me vejo a voltar a resolver as suas questões profundas e espirituais, provavelmente porque na nossa partilha amiga e parceirística se diluiu a autoridade do contacto. E esta questão é recorrente e faz parte da ortodoxia: será que os pacientes só confiam em nós porque não nos conhecem mesmo? Será que poderiam existir terapeutas num mundo onde os pacientes confratenizassem livremente com eles? A complexidade da resposta a este pergunta leva-nos a nós próprios e ao quem de mais humano o terapeuta pode ter, que é a sua empatia. Muito terapeutas defendem uma empatia total, um fusão completa com os pacientes. Outros defendem um distânciamento calculado, uma frieza condescendente. Pelo meio disto tentámos perceber até que ponto um momento terapeutico depende daquilo que o terapeuta entrega ao paciente emocionalmente. É muitas vezes um presente inconsciente, dado sem qualquer reflexão e controle. Não podemos evitarmo-nos de rir de uma piada a que achámos graça, é-nos impossível achar o contrário do que pensámos pela ortodoxia mais básica, é-nos vedada qualquer assumpção de culpa relativamente aos resultados das nossas acções. Assim, não me parece que seja muito fundamental o contacto entre nós e o paciente muito para além de um desejo de melhoria efectiva da sua condição pessoal. Quase a propósito posso mostrar um pouco da minha vida, quase a propósito posso quebrar o gelo com uma piada, mas tenho de conseguir ser dúplice com o paciente, manter-me à margem das afectividades profundas e extrai-me das conjunturas que o paciente vai traçando sobre a minha permanência no seu mundo.
Enfim.... o que este post tem como ponto de chegada é mais um ponto de situação do que propriamente uma procura de caminho, uma amanmese propriamente dita. Estou claramente num cruzamento, faço neste momento a minha reflexão numa encruzilhada, espero que sessão a sessão as imagens se tornem menos esbatidas e eu consiga chegar a bom porto, a uma estabilidade com os meus pacientes que não seja preciso negar-me por saber exactamente aquilo que lhes posso dar... mas ainda sou novo... tal como na vida após a morte judaica vou acumulando gerações de pacientes e o espírito é fortalecido...