quarta-feira, junho 02, 2004

Você sofre de Alexitimia? Ou sou eu que tenho falta de jeito pra o convencer a falar? Vitimização do terapeuta e sublevação dos McPacientes inertes...

Written as FREUD


Num tempo demasiado rápido pra ter verdadeiros e impolutos ídolos e verdadeiros e sequazes demónios, em que tudo corre tão depressa e somos levados a ajuizar sobre tantas situações um pouco por todo o espectro da sociedade é difícil fazermos uma avaliação dos nossos próprios sentimentos. Esta constante exteriorização de sentimentos à qual somos todos levados por uma sociedade hiper-realista, em que ninguém quer o encenado, o virtual, o irrealista, a mentira, deixa-nos muitas vezes sem margem pra pensarmos sobre a nossa própria imagética e estruturação. Ou seja, falando de uma forma um pouco mais correcta e simples, temos dificuldade em parar pra pensarmos nos nossos próprios sentimentos, razões, “porquês de ser assim”. Assim, não é difícil perceber que cada vez mais no consultório me digam “passou-se assim” “ foi assim” e que depois do assim, da história contada em bruto, como realização externa de um guião que não foi escrito por si a pessoa se cale e espere que eu entenda o sub-roteiro escondido, o plot secreto da história que para a pessoa parece ser tão misterioso como pra qualquer outro elemento assistente à história. Ora esta dificuldade em deixar transparecer pró exterior os motivos das suas acções tem na psicologia o nome de Alexitimia. Normalmente era um termo usado pra definir momentos de ausência de mentalização sobre acontecimentos traumáticos mas com o aumento significativo de indivíduos sem capacidade auto-reflexiva a Alexitimização de muitas outras situações de relação terapeutica foi inevitável. Outro motivo prá Alex ( Chamemos-lhe assim por respeito ao descanso das minhas mãos e do vosso cérebro) é a anorexia mental, um problema que designa a pobreza extrema nos estímulos dos indíviduos que portanto têm dificuldade em encontrar as palavras pra se definirem. Ora aqui temos um problema sério, muito sério mesmo, que é nós vivermos numa sociedade em que o que acontece é o sobre-estímulo do indivíduo e não a sua nimfubilização ( ausência de entrada de informação que se traduz numa falta generalizada de capacidade de expressão). Sendo assim, e dado que conseguimos falar de tudo o que apreendemos do exterior e portanto a nossa capacidade retentora está mais que assegurada o que se passará nas salas de terapia deste mundo, de casais ou outras, pra cada vez mais termos de adivinhar o que se passa na cabeça dos pacientes, termos de usar mais e mais parábolas pra que eles digam “ é isso mesmo”?
Pra ser sincero, não acredito muito nesta teoria de alastramento da Alex. Sou um pessimista moderado e portanto acho que o paciente se faz estas coisas é porque está habituado a consumir tudo À sua volta de forma passiva, fazendo julgamentos superficiais e na nossa presença junta-se a dificuldade em se expôr com o facto de estar a pagar e portanto “ o gajo que faça o trabalho dele e me diga o que tenho”. Esta medicinização da psicologia, em que uma pessoa é auscultada, faz-se uns exames e “ vai à faca” é também muito culpa dos próprios profissionais, que rapidamente mandam pessoas menos “felizes” pra um psiquiatra pra lhes dar uns docinhos e elas andarem felizes da vida. Portanto, quando o casal se senta à minha frente espera mais Zandinga e menos Freud de mim, espera que por uns supostos fios inter-cósmicos eu conclua que a líbido deles caiu depois de um acto sexual mal sucedido que ele não conseguiu atravessar pró outro lado, por um excessivo intrometimento da mãe dele na vida deles, que eles nunca falaram sobre casar e que a ideia foi do grupo de amigos e portanto acusam-se mutuamento de terem dado esse passo sem que de facto a culpa seja mesmo deles.
Isto acontece com demasiada frequência pra ser resultado esporádico do movimento social. Julgo que se um casal tem problemas deve primeiro perceber porque é que eles apareceram e depois procurar motivações complexas pra eles e meterem em causa todo o namoro e casamento. Será preciso no futuro que os casais falem mais sobre si próprios sem ser em sessões de auto-adulação por comparação cínica com outros casais “ olha, o Zé e a Paty separaram-se... ela sempre foi uma insatisfeita, claro que mais cedo ou mais tarde ia arranjar outro, mas eu era incapaz de te deixar amorzinho”. Se isto não acontece é porque muito provavelmente ambos estão à espera que passe. Este conceito, ainda pouco estudado na terapia de casais, centra-se no período de tempo em que o casal não se agride mas em que reduz bastante a comunicação. É um mecanismo extremamente eficaz pois ao reduzir a tensão permite que ambos ganhem consciência que o “outro” ainda me respeita, respeita o meu espaço de pessoa ofendida e que precisa de descanso espiritual. Mas infelizmente quando as situações não são esclarecidas e as pessoas se perguntam porque é que estava ali aquela bomba escondida está-se a dar ao tempo, que é um terrorista insistente e militante, hipótese pra fazer outro atentado, outro e mais outro, e em cada atentado os tempos de “acalmia” vão sendo cada vez maiores, e a comunicação começa a ser um fardo, quer pela hipersensibilidade desenvolvida, quer pela ausência de referências passadas próximas que “aqueçam” a memória que se tem do conjugue. Assim, é muito complicado pra mim ir mexer no passado, porque ao fazer isso, ao regredir sem noção de quando aconteceram essas explosões dilacerantes na confiança que um e outro membro do casal tinham um no outro posso estar a ir mexer num campo minado do qual nem eu mesmo me apercebo.
Portanto gosto de ver como estão as coisas no presente. Quais as capacidades ainda intactas, ou como lhe costumo chamar, o “estado da ruína”. Tb perceber se existiu algum precedente particularmente violento que os tivesse trazido até mim. Como vêem, isto tem muito pouco de analista e muito mais de analista, porque pelo meio disto é muito difícil conseguir que as pessoas falem de si e da sua situação sem dor e repulsa. Como referi no início deste texto é difícil perceber como é que alguém chegou onde está sem que a pessoa nos conte os passos e porque é que o passos foram dados nessa direcção e não noutra. Porque pra perceber o mecanismo de qualquer máquina não basta ver o seu funcionamento em conjunto. E não posso ir isolar eu a realidade das pessoas do sua própria motivação, dizer que porque normalmente as pessoas fazem isto sob pressão daquilo esta pessoa é mesmo um caso desses e não outro qualquer. Até porque repetir os elementos que a teoria preconiza pra esta ou aquela emoção é quase impossível de pessoa pra pessoa. Portanto é natural que eu repare ao fim destes anos de exercício que as pessoas se contentam com soluções mais ou menos generalizadas, porque escolhem, lá está, a tal escolha efectiva e não o resultado de uma pressão da “sociedade” em não transmitir tudo o que as motivou mas em aceitar certos conjuntos de soluções que vou atirando pró ar no escuro em que por vezes me enocontro sobre as próprias pessoas. Nesta complexidade muito pouco elementar não é excessivo diversificar elementos conjugativos, em particular a dificuldade em assumir um cenário único como motivador. Claro que lá está... pela alternativização de cenários vou percebendo o que as pessoas estão a aceitar pela sua expressividade, pela sua afirmação ou rejeição invectiva e expurgadora ( dizem que não, que não são assim, mas fazem-no com uma repugnância demasiado próxima da preocupação pra não captarmos a sua dificuldade em esconder o “eu” conjugado no plural do “outro”). Ora isto faz com que eu desça do meu pedestal assertivo. Já não sou a pessoa que sabe tudo mas alguém que foi construindo hipóteses, falhando copiosamente até em certas expressões e certos cenários. E tento perceber que de certa forma esta “humanização” é necessária prá compreensão subjectiva daquilo que é objectivo e inerente À presença daquelas pessoas ali: Ainda se amam e querem a todo o custo reproduzir a vontade de partilharem o futuro juntas, como antes sentiram... e eu lá estou... mas a ideia de que as pessoas chegam ali e falam e falam e falam é completamente falsa nos dias que correm. Ou se os meus colegas têm aí alguém que seja assim não me podem ceder esses pacientes pra eu realizar o sonho dos meus professores de Universidade? ; )