sábado, agosto 21, 2004

Modernidade nas escolhas sexuais femininas e dificuldade no encontro de parceiros compatíveis com a sua vontade em manterem a sua liberdade

“os consortes anseiam, buscam e conseguem
fazer amor por separado.
Escolhem conhecidos ou amigos
Ou saltam para fora dessa círculo(...)
Bem conhecida é pois matéria tal. Sexualmente
não há exclusivos. É uma sorte.”


“Incompreensível é essa sua obediência
a tais injustas normas desde há séculos.
Parece resignada, ou ajustada,
E há-as até felizes, a isso de estar presa
A um ditadorzeco cruel e imbecil
Que a humilha e lhe exige que sorria.

Suas razões, suponho, terá tido.
Quem, quem sabe, terá sido uma simples experiência
Esse seu deixar andar. Comprovado porém
De forma exaustiva que os homens
Não conseguem resolver a convivência,
A mulher devia libertar-se.
E assumir, ela, o comando da espécie.

Quanto a nós, já sobrou tempo
E convém reconhecer que fracassámos”


J. M. Fonollosa
Cidade do Homem: New York

Como referi já por 2 vezes, não me apareceram ainda pacientes femininas na casa dos 20 e muitos a queixarem-se da sua hiper-actividade sexual, do excesso de prazer que obtinham na sua sexualidade, do excessivo número de parceiros que com elas tinham aventuras várias. Porém, a sociedade portuguesa, representada para mim por estas ruas de Porto e Lisboa, parece preocupar-se com a práctica excessiva de sexo, e isso não faz qualquer sentido prá terapeuta. Vejámos o caso de Cristina, paciente que completa hoje a sua última sessão. O seu percurso é típico da mulher portuguesa, está dentro de todas as estatísticas e estudos realizados no campo da afectividade em Portugal: perda de virgindade com relacionamento esporádico no Verão, algures entre os 16 e os 18 anos, seguido de relacionamento longo que a acompanhou ao longo da Universidade. Fim desse relacionamento ( a alternativa seria o casamento, mas Cristina escolheu não dar esse passo), profissão estável como professora, vários relacionamentos esporádicos, aquisição de casa própria, relacionamento estável com homem de menores rendimentos, neste caso um ainda estudante 2 anos mais novo ( a alternativa seria um homem mais velho, mas o namorado do relacionamento longo de Cristina era ele próprio mais velho portanto ela desconfia de homens mais velhos) em que habitaram juntos, chegada aos 28 anos e interrogações várias sobre a qualidade da sua vidae passada, pressões familiares e sociais ( grupo de amigos) pra que estabilize a sua vida e a partir daí relacionamentos vários esporádicos, nenhum dos quais “significativo” como ela refere nas suas palavras, meros “casos”, quecas, satisfações epidérmicas de uma “vontade” que ela veio redescobrir pró meu consultório.
Cristina sabe que as suas escolhas não têm problema nenhum e apetece-me dizer-lhe isso mesmo. Como a esmagadora parte das mulheres portuguesas, a falta de qualidade do sexo praticado em Portugal ( como já mencionado no tempo “Orgazmo...” ) faz-la pensar que o casamento, ou a monngamia, ou qualquer outro caminho social mais “estável” a fará desembocar numa maior “felicidade” e como tal ela tem de se livrar da sua “libertinagem”, da sua “teimosia” em não aceitar o verdadeiro amor.
Lido com esta questão todos os dias, e pergunto-me: se se pratica assim assim tanto tanto sexo, porque é que ninguém se queixa exactamente dessa práctica? Desse excesso? Desse abuso? Dessa quantidade insana de orgasmos que desnorteia as pessoas do seu recto caminho rumo à felicidade?
A resposta é relativamente complexa: quem tem bom sexo mantém uma relação com a pessoa com quem ele acontece. No Canadá, os 15% de mulheres com maior ocorrência de orgasmos múltiplos estão em 90% envolvidas com alguém há mais de 10 anos e estão na faixa etária dos 25 aos 45 anos. Em Portugal parece que isso não é possível, ou que isso não ocorre, pela quantidade brutal de mulheres em busca de apoio terapêutico em relação à afectividade e sexualidade. Depois temos os casais jovens, em que se brada aos céus pela falta de qualdiade sexual do parceiro masculino e assim se justifica ( ou usa-se pra justificar) a existência de um Outro, que já não é amante, porque antes já era amigo, e como tal continua amigo, e continua, como melhor parceiro sexual, a ser parceiro sexual. Esta sexualização da amizade não me é estranha. Mais de metade das minhas amigas são ou foram minhas parceiras sexuais, 4 são-no há mais de um ano, e nesse período mantiveram intacta a sua confiança nos seus namoros e namorados, até encontraram espaço na sua mente pra serem ciummentas, porque o ciúme é a melhor forma de evitar a desconfiança, quem é ciumento perturba o radar da outra pessoa em relação ás suas próprias “escapadelas”. Sendo assim, a matrimonialidade não é factor determinante para a satisfação sexual, e como tal, aumenta o nro das mulheres portuguesas que não casam, não porque não conheçam pessoas por quem não se sintam atraídas e que não julguem conhecer, pessoas em quem confiem, mas porque, olhando para o seu grupo de pessoas conhecidas não as vêm melhorar substancialmente a sua felicidade, muito pelo contrário. 85% das minhas pacientes solteiras com mais de 25 anos tiveram uma exp de divórcio no seu grupo de amigas, uma amiga que casou e que passados poucos meses estava separada do marido. Ou seja, esta sinalização do casamento como factor negativo, juntamente com a baixíssima colaboração dos homens num conjunto de tarefas domésticas que podem consumir 50 a 80% do tempo livre da mulher em casa, juntamente com o cada vez maior apego dos homens ás mães, e por conseguinte má habituação destes em relação à práctica de tarefas domésticas, fazem com que a mulher se encontre melhor numa situação de solteira, numa situação de amante, sem desejar porém casar, ficar numa situação socialmente insanável, ou pelo menos cuja solubilidade provocará mais reacções que o deixar de sair com um amigo com quem tem alguma intimidade. Noto o esforço claro que amigas fazem em manter-me afastado do seus grupo de amigos “histórico”. Este grupo é de construção lenta, e qualquer novo elemento entra “ por um motivo”, e portanto a minha entrada nele faria com que as pessoas se interrogassem sobre quem era eu, que estava ali a fazer, que tipo de relacionamento nós teríamos ( e seria complicado dizer que ele começou com uma queca numa casa de banho de um comboio Alfa peundular na direcção de Lisboa). E essa catalogação é que afecta profundamente as mulheres na sua liberdade. O facto de terem de esclarecer um amiga sobre o facto de aquele amigo ser parceiro sexual há mais de um ano e passarem várias noites em comum torna-se um fardo, porque isso é estar a definir-se como “libertina”, ao mesmo tempo que se expõe a ser criticada o seu conforto com essa situação. Mas o facto é que essa situação É confortável. Pessoas que possam manter os seus próprios lares, independentes, podem manter relacionamentos complexos e longos sem que isso afecte a sua socialização, como afectaria se uma das minhas amigas chegasse a uma mesa de uma esplanada, me apresentasse e dissesse “ Este é o Luís, somos amantes e amigos há ano e meio”. Assim, e aqui chegamos ao âmago desta dissertação, as mulheres habituaram-se nos últimos anos a terem relacionamentos escondidos do resto da sociedade ANTES MESMO de casarem, daí o adultério ( esta palavra começa a entrar em desuso dado que o contacto com o parceiro é bastante mais regular que o “caso” que a palavra adultério pretende expressar) ser perpetuado muito mais pelas mulheres do que pelos homens e de forma mais natural, dado que para eles torna-se muito mais difícil esconder algo que expressavam naturalmente ( e de que até se gabavam) enquanto que elas já tinham a práctica de ocultar a relação antes mesmo do casamento. Daí que seja para a mulher e não para o homem que o casamento tem mais custos, pois se a mulher moderna e solteira de classe alta tem uma elevadíssima capacidade de escolha das suas companhias e parceiros, ao casar-se fica quando muito limitada a um, dado que no horário pós-laboral tem de permanecer junto ao seu marido, mesmo que nesse momento preferisse estar com o amante enquanto que se um encontro não correr bem com um amigo pode estar no outro dia com outro, socialment e/ou intimamente...


Espero assim ter respondido à questão da Carlinha RPC que me perguntava “ No meu grupo de amigas noto que as mulheres têm muitos mais parceiros que os homens, eles parecem estar sempre a tentar namorar e somos nós que preferimos as “amizades coloridas... é comum aparecerem-lhe casos assim?”

Além disso fica a promessa de um artigo menos abstracto que o texto sobre o fetiche sobre a forma ocmo hoje os homens se apresentam tão ou mais frágeis que as mulheres, mas pra outra altura : )

Abraços a todos