sexta-feira, março 11, 2005

A mulher que sabia que era paciente, não sabia qual era a doença. Radiografia tirada por um endireita de almas : )

Muitas pessoas me censuram por não publicar ou analisar os emails recebidos, que já se contam em algumas dezenas. Não o fiz por duas razões. Chuloeterapeuta.blogspot.com é uma aventura a dois, entre dois improváveis amigos que se respeitam mutuamente, não ocupando um o espaço do outro. Assim, entre um texto e outro, o tempo de espera é tão dilatado que temo muitas das mensagens que recebo percam a actualidade, e em terapia de casais o conceito de actualidade é extremamente importante. Além disso, é evidente que não será a análise de um mail que irá contribuir decisivamente para a acalmia das turbulências numa relação ou para o melhoramento da auto-imagem de alguém de forma significativa, será até uma possível acha para a fogueira, se a minha análise, por escassez de meios ou por incapacidade própria minha, falhar o alvo central da questão.
Porém, vou aqui abrir uma excepção, pois um mail recebido acabou por contribuir para a esquematização de um texto que estava já em construção. Devido a este feliz encontro, irei abrir as portas À diferença. Mas trata-se de uma excepção, e continuarei a responder a TODAS as questões postas por mail através do próprio mail.

“Doutor Freud, leio tudo o que escreve no seu blogue, que acho o mais fantástico de toda a blogosfera, quer pelo conceito, quer pela complexidade dos seus textos. E assim, e após ter respondido ao mail de uma amiga de forma que a ajudou bastante, gostaria de eu própria me aventurar a tentar colocar-lhe a minha situação que, não sendo particularmente grave, tem-se degradado. Sou uma mulher de 29 anos, perfeitamente saudável, trabalho como consultora numa empresa de gestão de recursos financeiros e seguros, trabalho que, apesar de intenso, não considero particularmente desgastante ou instável, até porque tenho tempo para me dedicar a diversas actividades recreativas, desportivas e culturais. Pratico natação, esgrima, faço voluntariado junto de idosos doentes, sou catequista na minha paróquia de nascimento e além disso também faço parte do coro da Igreja. Sou solteira e não tenho de momento nenhuma relação séria. Perdi a virgindade aos 21 anos com o meu namorado de longa data, tendo namorado com ele 5 anos, todo o período do curso. Não fui vítima de nenhum abuso sexual, nunca senti nenhuma aversão particular ao sexo, mas porém, sempre que se coloca a possibilidade de ter contacto físico mais íntimo com alguém toda eu fico fria, indiferente, como se saísse do meu corpo e ficasse a olhar de fora para dentro aquela carcaça a ser penetrada. Além disso, quando estou a fazer sexo, quase não lubrifico e sinto contracções bastante fortes nas coxas que me provocam dor e que me impedem de relaxar. Porém, muitas das vezes, não me sinto capaz de dizer isto aos meus parceiros, pois muitos passam meses e meses de contacto comigo sem qualquer actividade sexual e depois, quando finalmente acontece, não gostava de ficar lembrada como alguém preconceituosa e complexada. Além disso, não suporto que os homens vejam ou toquem no meu peito. Quando me tocam, mesmo ao de leve nele, é como se ele ardesse e tenho mesmo a sensação física de dor. Sei que lhe devo parecer uma pessoa muito estranha e nem eu mesma sei se apresentei de forma correcta os meus sintomas… não sabendo eu mesma de que serão, se precisar de alguma explicação adicional diga”

Em resposta a este mail enviei o seguinte mail, que aqui transcrevo:

“Com que frequência é que o sexo acontece por sua iniciativa? Não me refiro ao seu “sim” ao fim de 500 pedidos da parte deles, mas a um sim seu por impulso, por vontade própria, antecipando-se ao pedido dele. Além disso, gostava que me referisse, se bem que eu penso já saber ser quase nula, a frequência com que é estimulada antes da actividade sexual, durante os preliminares. Além disso, gostaria de ficar a saber o que pensa do orgasmo feminino.”

A resposta da leitora foi clara:

“Começando pelo fim, acho que não sou capaz de ter um orgasmo. Já tive parceiros que fizeram comigo sexo durante mais de uma hora e o orgasmo nunca veio. Quanto a preliminares, como nunca fui muito de lhes fazer, eles nas vezes seguintes ás duas primeiros nunca perderam muito tempo com isso. Nunca fiz sexo por minha iniciativa, ate porque normalmente os homens quase na primeira oportunidade o queriam fazer, nunca tive tempo para querer fazer, apenas tive tempo para escolher com quem iria fazer.”

A sinceridade deste mail é desarmante. A forma com que a leitora aceita a sua condição se anorgasmia deixa-me profundamente abalado. A anorgasmia é SEMPRE uma situação transaccional, podendo ser tratada de forma afectiva com um parceiro disposto a explorar o corpo da mulher a ritmos mais intensos e concentrados. Por outro lado, um parceiro insensível ás necessidades da parceira sexual não é um parceiro correcto, logo, não se pode estar a permitir-lhe acesso à intimidade só porque está ali há muito tempo à espera. Aliás, é por estes processo de desilusão, que se vai desenrolando parceiro após parceiro, que as mulheres portuguesas perdem rapidamente interesse no sexo antes dos 30 anos (sendo este mais um caso). Não se pode estar constantemente a permitir que as pessoas nos desiludam, sob pena de a desilusão passar a ser um conceito filial de “normal”. O sexo, para a mulher, e não me canso de explanar isto, tem muitos mais atractivos que o homem. Possibilidade de a mulher ter múltiplos orgasmos (80% das mulheres), possibilidade de recuperação mais rápida para outro acto sexual, orgasmos muito mais intensos que os do homem, sendo o percurso até ao orgasmo mais intenso do que o do homem. Ora biologicamente, para a mulher, o sexo teria todas as vantagens. Mas a praxis não é esta, e as mulheres, em vez de procurarem que a realidade se torne mais agradável, limitam-se a aceitá-la tal como ela se apresentam, fazendo do facto de 3 ou 4 parceiros não lhes darem prazer um doutoramento em sexo e o resumo de todos os parceiros possíveis e imaginários, incapazes de tomarem atitudes mais activas relativamente à postura dos homens. Por exemplo, sendo eu homem (e não sendo virgem, muito pelo contrário, ou então estas 74 parceiras passadas fizeram muito mal o trabalho), sentindo contracções involuntárias das coxas no início de um acto sexual pararia imediatamente, e não porque isso afectasse o meu prazer biológico, mas sim porque o prazer emocional estaria seriamente comprometido par a mulher. É esta empatia sexual que se tem de começar a ensinar desde tenra infância, desmistificando questões como a masturbação, a excitação da mulher, o relaxamento muscular necessário ao acto sexual e acima de tudo, a necessidade da ocorrência do orgasmo como elemento fundamental da motivação do acto sexual.
Tenhamos bem presente que as questões são postas de forma presencial e dinâmica. A leitora, e outras leitoras que me motivaram a escrever este texto, apresenta sinais claros de uma traumatologia emocional complexa e profunda, e não será facilmente que conseguirá recuperar a sensibilidade e a dinâmica sexual. Isto porque o cérebro não é uma máquina, não basta mudar o software para que ele passe a fazer coisas novas. O cérebro tem rotinas, muitas delas baseadas no uso, e depende dele um conjunto de reacções de resposta sexual. A resposta sexual não é automática, ela faz-se de muitas respostas passadas, e portanto está dependente do momento mas também das expectativas. Ora se a nova situação começa a decalcar outras situações passadas, por mais que a pessoa queira “pensar” diferente, não o conseguirá fazer dado que tem diante de si uma situação semelhante e portanto a resposta corporal será a mesma. Claro que está nas mãos da pessoa muar o seu destino, disso não existem dúvidas. Mas é preciso ter uma atitude activa em relação à vida sexual. Colocar passivamente nas mãos do homem a iniciativa é meio caminho andado para que ele se procure satisfazer a si próprio, para mais não expressando as necessidade próprias quando o resultado não á o orgasmo. Aliás, há mulheres que dizem “mas se não fizer eles acabam por fazer com outras”. Pois é, mas tendo exigência relativamente à qualidade da actividade sexual a mulher também está a libertar-se para ser mais activa, mais dinâmica, mais independente e portanto poderá proporcionar mais prazer ao homem. Portanto, mesmo que egoisticamente, a mulher ao procurar proporcionar a si prazer acaba por libertar-se de tabus e acaba por deslocar-se no sentido de dar mais prazer ao homem. aliás, normalmente são as mulheres mais habituadas ao prazer que mais se preocupam em dar prazer aos homens. Até hoje, e mais uma vez tomando a minha experiência pessoal como único quadrante, nunca uma mulher se propôs fazer-me sexo oral bem feito ANTES de eu a ter fritado completamente. Essa necessidade, essa preocupação, nasce da actividade que o outro tem sobre a pessoa, e aqui não é de esquecer as diferenças na actividade masculina e feminina. O homem, habituado à aceitação de afecto e carinho pela figura maternal, terá tendência para uma maior auto-satisfação sem empatia com a mulher. Enquanto que a figura paternal deificada, para a mulher, leva-la-á a querer “agradar”, a manter. São directivas biológicas contra as quais a psique se deve revoltar tendo em vista o prazer sexual.
Posso garantir a esta leitora que ela não sofre de nenhuma patologia, excepto as mazelas emocionais que ficaram marcadas por actividade consentida mas não desejada. É importante que ela se consciencialize de que deve avançar muito lentamente até ao sexo, e que deve EXIGIR ao parceiro estímulo sexual progressivo, constante e pró-activo até chegar À penetração genital. Este parceiro deverá ser escolhido entre os possíveis parceiros mais preocupados em abdicar de coisas próprias em função dela e não daqueles que parecem já ter tudo planeado em cada encontro. A planificação só serve a quem tem um objectivo, e quem tem um objectivo tem-no para satisfazer uma qualquer necessidade ; )))

Boa sorte nas suas decisões futuras

Boa sorte para mim!!!!!!!!!!!

; ))))