sexta-feira, abril 01, 2005

História do Macaco ao Homem, e daí até à mulher... parando por pouco tempo no Amor

Obrigado por todos os vossos emails que nos enviastes pela ocasião das 100.000 visitas. Apesar de terem sido todos respondidos pessoalmente, cá vai um agradecimento colectivo e o reconhecimento de que vos amamos a todos, de uma forma platónica em relação aos homens, e de uma forma menos platónica em relação ás mulheres claro…


Writen has Freud

A sexualidade em termos gerais não é concebida para que a mulher tenha perspectiva ou sequer expectativa de ser satisfeita. Estou a falar obviamente das classes médias, e depois de um post em que me referi à actual predominância da mulher como orientadora de escolhas sexuais nas classes altas, é necessário, em virtude dos vários emails recebidos, perspectivar esta questão e relativizá-la em relação à classe média.
A sociedade é um complexo entremear de estados de espírito e códigos sociais, entrelaçados por uma inexistência chamada estatística, que são os comportamentos médios que os seus membros são tendencialmente levados a ter por uma noção abstracta de “correcto”, estando essa noção ligada, pelo menos em teoria, à realização da “felicidade” do indivíduo. Eu sei, é complicado absorver tanta informação numa só frase, mas se relerem vão ver que faz sentido ; )
Ora bem, sendo que entre o colectivo e a pessoa individual estão os códigos interpretados pela pessoa na sua vida, temos que nas franjas da sociedade termos os extremos de aceitação desses códigos, tudo isto em termos estatísticos claro. Por um lado as pessoas menos protegidas pela sociedade terão tendência a serem “formalmente” muito agarradas a estes códigos mas na prática muito distantes deles por falta de meios para realizá-los, enquanto que as elites serão formalmente mais distanciadas desses códigos mas na prática serão muito mais firmados a eles pois possuem todos os meios para os reproduzirem. Claro que isto refere-se a uma sociedade “estabilizada”, e a sociedade portuguesa apresenta comportamentos díspares nas suas extremidades mas estatisticamente segue estes valores, de acordo com os últimos dados presentes no INE e os últimos estudos realizados por terapeutas da família. E vocês a dizerem “Isto tem uma coisa enorme a ver com sexo que eu nem vejo qual é” ; )))
Pois, tem muito a ver com sexo, muito mesmo, aliás, é uma compreensão essencial para se partir para uma interpretação do que é sexo e de como ele é vivido pelas pessoas.
O sexo foi durante 99% da nossa existência uma forma de reprodução social e durante 35% da mesma o casal foi o elemento fundador dessa actividade. O sexo definia a atribuição do trono, o sexo definia o futuro da mulher, o sexo definia a fraqueza e o poder das nações. O sexo “entre nós” como forma de endogamia social foi a forma de organização social do Estado Moderno, o sexo entre aqueles que fazem parte de uma comunidade, sendo que os frutos dessa sexualidade seriam protegidos pela sociedade, basicamente aquilo que fazem TODOS os outros primatas. Ora passar deste estado para um Estado em que a mulher controla sexualmente as suas escolhas sem estar vinculada à reprodução é uma revolução totalmente assustadora em termos de continuidade social. O facto de ainda poucos milhões de mulheres beneficiarem desta escolha efectiva explica que este assunto seja ainda tão pouco entretecido nas grandes discussões da estruturação do Estado.
A última concessão feita pelos homens, a do Amor Romântico, ás mulheres, não trouxe grandes vantagens para elas, como prova a conquista que a mulher fez da efectivação do divórcio da sua parte ao longo do séc. XX, em grande parte por culpa dos próprios homens, que no Hemisfério Norte viram o seu nro diminuir drasticamente devido a duas Guerras Mundiais consecutivas que provocaram um grande desequilíbrio de géneros nestas civilizações. Aliás, a ideia de que “dois braços são dois braços” conduziu a uma aceitação constante no Continente Asiático de mais direitos para as mulheres e reconhecimento da sua “utilidade social”, o que aumentou o seu poder decisório. Portanto, tendo isto em mente, podemos facilmente concluir de que a mulher está apta a exigir do homem o troféu final, o direito a escolher sobre se dará à luz. E como símbolo máximo desse poder da mulher temos o aborto, que é o culminar de um conjunto de conquistas femininas, a substituição da decisão do médico, imagem paternal, pela decisão da mulher, portadora de vida. No fundo no fundo, nós homens sabemos que Deus é uma mulher, mas não queremos admitir.
Como disse, a última concessão que o homem fez à mulher para tentar acalmar-lhe os ímpetos igualitários foi o amor romântico. Neste idílio, o sentimento do homem pela mulher seria tão grande que grande parte dos seus instintos primários ficariam em suspenso, a traição sairia do horizonte, a devoção em cuidar da mulher seria extrema, a atenção aos filhos seria enorme. Ora como em todos os acordos redigidos sem igualdade de direitos, rapidamente este acordo traduzido na prática queria dizer que o homem ajudaria nas “tarefas de homem”, que seriam consertos e reparações, o homem não trairia desde que a mulher fosse um misto de puta e mãe, extremosa nos mimos ao marido e sexualmente potente, satisfazendo-o para que isso não o motivasse a procurar outras, e quanto a isso dos filhos, a mulher tinha um “instinto natural” para cuidar de crianças, portanto ela é que trataria dessa área, dando o homem a educação no sentido correctivo e não no sentido corrente. Como disse, depois da Segunda Guerra Mundial, começou a emergir outro paradigma, pois a mulher começou a fazer parte do tecido económico, o que começou a colocar em rotura a sua capacidade de reprodutora social de comportamentos. E Assim tivemos o movimento hippie dos anos 60, que depois esbarrou na distribuição típica de papeis após o casamento, provocando a maior onda de divórcios da história nos anos 70, a chamada geração X de 80 (tudo isto em países desenvolvidos), e o reajustamento constante que temos verificado, com início de estabilização em países nórdicos, na Alemanha e no Canadá em que começa a emergir uma efectiva redistribuição de papéis na relação, já sem o amor romântico por base ou quaisquer versões posteriores híbridas, mas sim um afecto diáfano uma concordância em relação a temas, portanto uma relação baseada num interesse genuíno do outro e em que existe uma preocupação realista de que o outro seja agradado, de parte a parte, e não de forma quase esquizofrénica como no idílico do amor romântico.
Ora Portugal não está, nem sequer de perto, neste patamar. Todos os santos dias me chegam ao consultório mulheres que falam de “amor”, de que perderam um grande amor, de que vão encontrar um grande amor e para elas essa é a questão fundamental. Já são mais realistas que as adolescentes no seu primeiro relacionamento, mas são-no apenas por pessimismo, porque outras relações para trás correram mal mas não deixam de acreditar que no futuro irão conseguir encontrar uma pessoa que encaixe perfeitamente em si, e apenas vão aumentando o número de ajustes que estão dispostas a tolerar antes dessa total absorção.
ora o amor romântico, pelo seu círculo de perfeição amorosa, não contribui para uma melhoria da vida sexual, como demonstro aqui em baixo:

Ama-se…. Depois… porque esse amor é muito grande… faz-se sexo… se o sexo foi bom diz-se que foi bom… o sexo continua bom… porque se ama…

Ama-se… depois… porque esse amor é muito grande… faz-se sexo… se o sexo foi mau... não se diz que foi mau… porque foi a primeira vez… e como se ama… como a outra pessoa nos ama… e nós amámos a outra pessoa… e vai melhorar… não melhora… mantém-se… não se diz que o sexo é mau… porque se ama… porque a outra pessoa nos ama… e nós amamos… a outra pessoa vai perceber que não foi bom… e como nos ama… vai mudar… vai fazer melhor… não muda… então é porque o sexo não é muito importante… porque se fosse… afectava o amor… mas não afecta… ainda se ama… mas o sexo não é nada de especial… mas faz-se… porque se ama… e porque a outra pessoa pode procurar outras pessoas se não se fizer… e aí… se trair… porque o amor é fusional… é porque ama outra pessoa… já não nos ama… já não está fundida a nós…

Ou seja, ou o sexo é bom e ideal desde o início, e se mantém assim por forças desconhecidas, ou então o ciclo de ilusão/desilusão é praticamente irreversível.
Nas classes médias portuguesas (e em grande parte das classes médias altas do interior) o sexo é para a mulher parte das actividades do homem, parte daquilo que ele quererá fazer se quiser! E a mulher aceitará se quiser, se estiver com disposição, mas nunca assumido activamente por ela como algo que ela iniciará, pois esse tipo de atitude poderá ser visto, como ainda está escrito nos tais códigos da sociedade portuguesa, os tais códigos antigos, imagens de comportamentos “correctos”, como um pré-disposição da mulher para a actividade sexual, e como tal, poderá ser sentido pelo homem, como factor de afastamento, de disponibilidade para a mulher se entregar a outro homem. sendo assim, esta passividade da mulher, exemplificada pelo baixo número de mulheres
que se masturbam regularmente e mesmo as que o fazem não atingem com grande frequência o orgasmo, faz parte do tal idílio que está ainda fortemente inscrito. E só depende de cada uma das mulheres portuguesas contrariar esta “escritura terrível”. Não façam depender a vossa sexualidade da do vosso parceiro, assumam o vosso desejam, persigam a igualdade de direitos na vossa relação, de chegar atrasado, de contrariar, de trair. Só quando vários homens tiverem chocado por várias vezes com mulheres intransigentes na perseguição da sua felicidade é que começaram a ser bem-vistas as mulheres que tomam as suas felicidades como algo de superior a uma relação. Porque para já, a nível da classe média, a sociedade tenta ainda fazer regredir para a norma aquela que se afastam dela, pois ainda não são em número bastante. Esta nas vossas mãos, a vossa felicidade e a vossa realização plena. Quanto ao amor romântico, coloquem-no ao lado dos livros de Eça de Queirós, numa bela estante, como algo que foi um espartilho, e se não sentem esse espartilho então lembrem-se que o pior escravo é aquele que não sabe que está a ser esclavizado ; ))

Este post é dedicado à Ana Gomes, pelas perguntas certas que fez, pois muitas vezes são as perguntas certas que levam a que surjam as respostas igualmente certas.

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Até ao próximo post