8 casais em preparação para o matrimónio, 1 terapeuta, sexo na agenda, Deus no livre!!!
Written has Freud
São 8 casais e estão claramente incomodados. Há anos que sinto isto sempre que entro numa sala, seja de um bar, seja do consultório, seja a de uma esplanada. O olhar contrito das pessoas face à chegada do “especialista do sexo”.
-Eh pá, estão a olhar para mim com cara de quem me vai comer e nós SÓ vamos Falar de sexo pessoal! Não vamos fazer!
A piada faz irromper os primeiros risos, e uma mente treinada pelos devotos abades da sexualidade americanos fotografa a reacção de todos os presentes. A mulher de um dos casais meteu as mãos nada cara ao rir-se, outra olhou imediatamente à volta para ver as reacções dos outros e depois riu-se, outra ainda riu-se e deu as mãos ao noivo, vários homens riram em uníssono mas 2 olharam para a parceira antes de soltarem o riso. É assim o nosso trabalho, lançar umas armadilhazitas e o pessoal escolhe cair nelas.
Digo desde já que discordo deste modelo, que no máximo deveriam estar ali 3 casais mas devido ao número de interessados, teve de se fazer algumas concessões ao modelo previsto. E que portanto seria muito complicado falarmos de sexualidade num contexto pessoalista, apontando questões reais, e que faria uma triagem de problemas da forma que o grande mestre Kinsey fez: através de um questionário anónimo que por um lado me permitisse conhece-los um pouco e por outro me permitisse quais seriam as questões mais prevalentes naquela sala. E disse-lhes que estava nas mãos deles aquelas sessões fazerem algum sentido, dado que se dessem respostas que não tinham a ver com problemas ou expectativas reais sobre a sexualidade real deles então as minhas respostas iriam responder a problemas ficcionais e a utilidade daquelas sessões seria nula, e eu saberia isso em todas as sessões, olhando para as caras deles de enfado.
Os problemas eram surpreendentemente comuns para casais com vida sexual e actualmente já residindo juntos de outros estudos feitos em Portugal. O sexo surgia com uma duração extremamente curta e mecanicamente incapaz de provocar satisfação na mulher, porém quase todas as mulheres faziam uma avaliação de “muito satisfeitas” com essa duração. Um dos segredos para que as pessoas nos dêem respostas reais em inquéritos de resposta múltipla é dar-lhes opções que não contrariem as suas expectativas. Vou dar um exemplo:
Qual a duração, desde a penetração até à ejaculação, do acto sexual médio entre você e o seu parceiro?
-5 minutos
5-10 minutos
10-15 minutos
+15 minutos
Reparem bem que 10-15 minutos é ainda um valor bastante baixo para um acto sexual, se considerarmos um acto sexual sem nenhuma troca de posição e sem ritmos elevados constantes, mas como já aparece quase no limite das opções, as pessoas, imaginando-se já dentro de uma qualquer “normalidade” não terão dificuldades em escolher esta opção. Se fosse a parte inferior de um qualquer questionário e o máximo 4 horas garanto-vos que teriam respostas completamente díspares. Assim, adequando a “normalidade” à expectativa sexual das pessoas consegue-se obter maior sinceridade nas respostas: ))))digam lá se não somos mauzinhos…
Disse desde o início que muitos deles poderiam não estar aptos para aquele tipo de aproximação, que eu seria bastante directo na abordagem dos problemas e que estaria a cargo de cada um deles lidar com as questões praticas: “para isso teriam de pagar 150 euros por sessão no meu consultório”, disse a brincar.
Assim, foi surpreendente como conseguiram falar tanto e tão confiantemente deles próprios como agentes sexuais. O ambiente de confiança foi tremendo e as expectativas e a vivência sexual de quase todos os casais subiu francamente. As pessoas que tinham prática numa determinada área expuseram-no sem grande receio a partir da 3 “sessão”, tivemos várias pessoas a falar ali de masturbação, de sexo anal e sobre se é a melhor coisa do mundo ou um fetiche masculino. E de prazer, falou-se imenso de prazer, como o obter, como fazer com que ele se mantivesse, como manter o interesse em ter prazer, como lidar com as situações que contrariam a expectativa, como lidar com a mudança do corpo que a idade trás, e outros milhares de pequenas questões que nunca imaginei, eu próprio, pessoas adultas portuguesas pudessem falar sem ser ao confessor ou ao terapeuta no santuário dos respectivos “consultórios”. Digo desde já que era um rapaz optimista antes de vir para Portugal, e que abordava os afectos desta mesma forma indefinida e aberta. Mas 3 aos deste país deixam as suas marcas, de tantos paraplégicos já começamos a imaginar que o ser humano não tem pernas, cuidados redobrados nas frases, a atenção enorme na forma do que se diz, e se calhar chegando a eles por vias tão travessas perde-se o essencial.
Ai ai ai… mas chegou o momento-crime, em que esta quimera esteve ameaçada. Uma senhora ginecologista reformada que ia regularmente aos CPM falar do divertido assunto “intimidade própria do casal”, seja lá isso o que for, sentiu-se “tocada” por naquele ano não ter sido chamada para a “palestra”. Mandou aviso ao Bispo do Porto, que rapidamente, ciente da boa vontade de alma tão pura e beata, chamou o Padre e o “infiel”, vulgo eu, que, segundo a tal missiva, estávamos a “envenenar” as almas jovens. Foi assim marcada conversa com Dominicano especialista (não sei até que ponto ou baseado em que relevância prática) em questões de sexualidade. Primeira pergunta:
- É verdade que indicam como aconselháveis metodos anticoncepcionais contrários à moral da Igreja?
- Não, todos os participantes no CPM já usam vários desses métodos, portanto achámos redundante estarmos a repetir essas informações.
Silêncio. Já nem somos só nós a afrontar a Santa Madre I. Afinal os seus membros já andam nessa onda antes de chegar até nós, e o sexo começar com o casamento é apenas uma miragem.
- Muito bem, é tudo.
A entrevista durou 2 minutos, o desarme foi demasiado violento, o pobre representante e insigne inquisidor não se sentiu competente para mais nenhuma pergunta, estando assim assunto em que tinha esperado fazer tão longa alocução desbaratado à partida em coisa de um minuto. Enfim. Mantenho o meu olhar calmo, não entro em pequena conversa, só ia prolongar a minha permanência numa situação que me passa totalmente ao lado. Saímos para fora, arrasto o Reverendo para uma casa de chá, atacamos o Chai como se não houvesse amanhã, tudo calmo, muito relax.
- Você desarmou-o completamente. Já pensou em ir para a política?
- As mulheres que se sentem atraídas pelos políticos normalmente têm as mamas pequenas, não curto mulheres de mamas pequenas.
Silêncio. O meu mundo, fora do contexto, é um soporífero perigoso para as vozes alheias ; ))))))))))))
E pecador me confesso irmãos e irmãs, a minha esperança numa melhor sexualidade em Portugal aumentou drasticamente com estes 8 casais. E confesso que quando se dá a oportunidade ás pessoas de se expressarem num meio não culposo da sexualidade as dúvidas escorrem, procuram-se soluções reais, e se chega mesmo até a soluções de aplicação prática, ou seja, conducentes a essa coisinha insignificante de que nenhum de nós admite alguma vez abrir mão: a Felicidade.
Vamos ver a próximo fornada o que me sai. Afinal, eu próprio posso ser vítima das minhas expectativas: )))))))))))))))